sexta-feira, setembro 26, 2003

Política: Ainda haverá esquerda?

Sai um comentário com um pires de tremoços?

Ontem recebi alguns mails a mais do Descrédito, uns gajos que parecem porreiros, auto-intitulados de esquerda moderada, seja lá o que isso for.

Mas não deixo de me perguntar qual o significado, hoje em dia, de me afirmar de esquerda, ou de direita, ou do que quer que seja.

Provavelmente, sou o único a ter essa percepção, mas parece-me que ultimamente restam no mundo apenas uma essência, uma ideologia e uma política, e essas convergem todas com as do dinheiro.

Santo, sagrado, adorado, desejado, querido, todos nós nos rendemos a um mesmo propósito, enriquecer, para materialmente podermos ter tudo que desejamos, e podermos dar tudo que os nossos desejam.

E na luta pelo enriquecimento pessoal, pelo acumular de bens e objectos, provavelmente na sua maioria inúteis em nossas casas, esquecemo-nos no que um dia fomos, no que um dia pensámos, e naquilo de que um dia fizemos parte.

Conforme me foi dado ler num dos posts do Barnabé, sobre o reencontrar de um velho amigo comunista, ainda com a paixão e a convicção do passado, despertei de repente para uma única verdade, já ninguém tem a convicção e a certeza política do que é, do que foi, ou daquilo que pensou que um dia faria parte.

Todos se apregoam, tal qual os da direita, como pessoas integras, mas ser de esquerda tem outro significado, quase religioso, de frugalidade, de respeito e de partilha, não só dos sentimentos, como também da ideologia, e em todos os actos que devem acompanhar o “ser de esquerda”.

Não quero com isto identificar os esquerdistas como sendo pessoas que devam formar seitas (apesar de por vezes os partidos de esquerda, mas também os outros, cada vez mais se poderem comparar a verdadeiras seitas, com rituais preestabelecidos, e sempre iguais a marcarem a vida do Partido), mas devem ter a noção do social, do comum, do humano, do verdadeiro “ser de esquerda”.

E “ser de esquerda” significa terem ideais, de partilha, de comunhão e de solidariedade, duma forma global, ideais tais que acho muito sinceramente que já ninguém possui.

Como todos individualmente apenas pretendemos, levados pelas teorias consumistas e individualistas, nas quais reside a força principal da direita, apenas pretendemos o mérito e o destaque e o enriquecimento individuais, já não há lugar para um pensar solidário do que deve ser a sociedade e do que deve ser a vida das pessoas.

Acho muito sinceramente, e depois de ter lido já muitos posts em muitos blogs, vendo o que os políticos dizem nas televisões e nos jornais, que já ninguém se interessa VERDADEIRAMENTE pelo social, pelo solidarismo, pelo “ser de esquerda”.

Todos se interessam apenas em poder contar com mais alguns votos, para poderem ter o poder, e poderem distribuí-lo a seu bel-prazer, sendo que as políticas nunca mudam muito, nunca tentam mudar a vida das pessoas, nunca tentam melhorar a sociedade ou o País, apenas tentam manter-se na posse do poder o máximo de tempo possível, para assim melhor poderem distribuir influências, dinheiro, riqueza, a quem mais lhes interessar, e a quem os possa manter por mais tempo no poder.

E infelizmente releio nos blogues, essa mesma tendência de alguém que apenas tenta agremiar mais alguns afiliados para o seu partido, para poder chegar ao poder, e vejo-os fazendo isso como?

Não é apresentando propostas concretas sobre o que quer que seja, não é apontando soluções, não é desbravando caminhos para o que poderia ser uma nova política, é fazendo e usando a mesma política velha e farta do dizer mal, do apontar do dedo, do dizer que eles fizeram mal, nós nunca faríamos isso, mas se calhar também nunca fariam nada, pois nunca indicam como deveria ter sido feito, e, desta forma, criticando apenas por criticar, caem no mesmo ridículo em que caem os partidos de direita quando criticam também só por criticar.

Há que mudar o mundo: era essa a origem da força da esquerda, não era? Há então que o mudar, mas como? Alguém tem ideias? É essa a força que deve mover os esquerdistas, e os deve unir, para no mundo individualista de hoje, sem convicções e sem paixões, podermos unir-nos todos e pensarmos: que pode fazer cada um de nós individualmente para mudar, e com isso mudar o rumo das coisas?

Eu proponho uma coisa, apenas para começarmos e para nos podermos provar de esquerda, vamos dar aquela coisa mais preciosa que temos lá em casa, que adoramos, mas que se calhar não nos faz falta, e vamos entregá-la a um orfanato, a uma instituição, a alguém que precise.

E vamos começar a discutir uma nova política, que tenha a participação de todos e vamos pensar em algo mais que não só em nós próprios...

É tão bom sonhar...

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